Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

domingo, 25 de abril de 2021

Ildeberto Medina – um exemplo de conquista do sonho americano

 

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados na Califórnia, Massachusetts, Rhode Island e Nova Jérsia. A grande maioria da população luso-americana trabalha por conta de outrem, na indústria, mas são já muitos os que trabalham nos serviços ou se destacam na área científica, no ensino, nas artes, nas profissões liberais e nas atividades politicas.

No seio da numerosa comunidade lusa nos EUA, onde proliferam centenas de associações recreativas e culturais, clubes desportivos e sociais, fundações para a educação, bibliotecas, grupos de teatro, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, casas regionais e sociedades de beneficência e religiosas, destacam-se percursos de vida de vários compatriotas que alcançaram o sonho americano ("the American dream”).

Entre as várias trajetórias de portugueses que começaram do nada na América e ascenderam na escala social graças ao trabalho, ao mérito e ao empenho, destaca-se o percurso inspirador e de sucesso de Ildeberto Medina, uma das figuras mais gradas da numerosa comunidade luso-americana de Providence, estado norte-americano de Rhode Island.

Natural da ilha Graciosa, arquipélago dos Açores, Ildeberto Medina emigrou para a América em 1977, com apenas 15 anos, na companhia dos pais e do irmão, repetindo as pisadas da avó paterna, que no ocaso do séc. XIX tinha partido para a Costa Leste dos Estados Unidos num barco baleeiro em demanda de melhores condições de vida.

A chegada a Boston, capital e cidade mais populosa do estado norte-americano de Massachusetts, numa fase de incremento da emigração açoriana para o território americano, não correu como planeado devido à inadaptação dos pais à nova realidade, contexto que motivou a família a retornar ao torrão natal. 

Nunca esmorecendo na ambição de alcançar o sonho americano, Ildeberto e o irmão mais novo, desta vez sozinhos, cruzaria pouco tempo depois novamente o Oceano Atlântico. Em 1979, a partir de Providence, realizaria o seu primeiro trabalho por conta própria, começando aí um percurso de autênticoself-made man” que o catapultou a empresário do ramo da construção civil com a fundação da empresa “Medina Construction” em 1985.

Ao longo dos últimos 40 anos, o trabalho incansável, a resiliência inabalável e a constante dedicação à família, elevaram o graciosense, que logrou inclusive acabar o liceu e ingressar no ensino universitário norte-americano onde se formou em Línguas, a um empreendedor de reconhecidos méritos na comunidade luso-americana, como revelam as inúmeras distinções que tem alcançado.

A mais recente foi atribuída este mês pelo Mayor Roberto Silva, autarca lusodescendente de East Providence, que distinguiu Ildeberto Medina com proclamação oficial no âmbito dos 40 anos de empreendedorismo do proprietário da “Medina Painting & Remodeling” e sócio de várias empresas. Nos fundamentos da atribuição da distinção sobressai o trajeto singular do empresário luso-americano: “Através de contínuos esforços, árduo trabalho, em sistema de part-time, ao mesmo tempo que frequentava a escola, desde a sua chegada aos EUA, empenhou-se na conquista do êxito da sua iniciativa empresarial. E como tal a cidade de East Providence reconhece a sua bravura e sacrifício concluído no êxito empresarial”.

Apoiante constante do associativismo luso-americano, e uma das figuras mais gradas da comunidade de East Providence, o exemplo de vida de Ildeberto Medina, empresário de sucesso que nunca olvida as suas raízes portuguesas, inspira-nos a máxima do historiador italiano Cesare Cantú: “O mais saboroso pão e a mais agradável comodidade são os que conquistamos com o nosso suor”.

 

 

 

domingo, 18 de abril de 2021

A rede museológica dedicada à emigração portuguesa

 O desígnio e imperativo de valorização do conhecimento da história da emigração portuguesa têm impelido, nos últimos anos, o poder político a procurar incrementar uma estratégia cultural capaz de aglutinar os espaços museológicos ligados ao fenómeno migratório que se encontram disseminados pelo território nacional.

Esta estratégia cultural ganhou recentemente um novo e decisivo impulso, através da apresentação por parte da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, liderada por Berta Nunes, de um projeto que visa a criação de uma rede museológica digital dedicada à emigração lusa.

Uma rede museológica, cuja principal ambição passa por ligar a história da diáspora portuguesa e suas vias de acesso, via digital e num itinerário real, fisicamente implantado, apto a reconhecer os diferentes fluxos migratórios e capaz de atrair o interesse pelo país e suas gentes. Na esteira das palavras de Luís Castro Mendes, embaixador e antigo ministro da Cultura que preside ao conselho de consultores deste projeto, pretende-se deste modo fomentar “uma rede entre espaços museológicos, com vantagens em relação a um museu que concentrasse tudo”.

Precursora de uma visão museológica desconcentrada, esta rede museológica passará, através da dinamização de uma plataforma online, a disponibilizar assim os acervos do Museu das Migrações e das Comunidades, sediado em Fafe, do Espaço Memória e Fronteira, localizado em Melgaço, e do Museu da Emigração Açoriana, instalado na Ribeira Grande. E depois de estruturada, abarcará ainda projetos e instituições como o Cais da Língua e das Migrações, em Matosinhos, o Museu Português da Migração, no Sabugal, o Espaço Memória e Fronteira, no Fundão, e o Museu do Salto, em Vilar Formoso.

Esta plataforma, que passará a ligar os espólios que em Portugal contam a história da emigração portuguesa, pode e deve aglutinar ainda espaços museológicos que têm sido construídos ao longo das últimas décadas por portugueses no estrangeiro. Como, por exemplo, a Galeria dos Pioneiros Portugueses, em Toronto, impulsionada no presente pelo comendador Manuel DaCosta, e que se dedica à dinamização do legado dos pioneiros da emigração portuguesa para o Canadá; o Museu da Imigração, em Lausanne, na Suíça, criado pelo português Ernesto Ricou, e que nesta altura procura novo local; o Museu Etnográfico Português em Sydney, na Austrália, que tem procurado manter viva a identidade cultural da comunidade luso-australiana; ou o Museu Histórico Português em São José, Califórnia, dedicado às tradições lusas, em especial religiosas, neste estado norte-americano.


O historiador Daniel Bastos (esq.), cujo percurso tem sido alicerçado no seio das Comunidades Portuguesas, acompanhado em 2016 do comendador Manuel DaCosta (dir.) na Galeria dos Pioneiros Portugueses, em Toronto, no âmbito de uma conferência sobre a Emigração Portuguesa

 

 

Estes espaços museológicos, e outros que se encontram ou possam vir a ser projetados na pátria de origem ou de acolhimento dos portugueses espalhados pelo mundo, são uma indubitável mais-valia na perpetuação da memória da emigração lusa, e fundamentais para a prossecução da missão descentralizada e polinuclear da vindoura rede museológica.

Como menciona Maria Beatriz Rocha-Trindade, uma das consultoras de referência deste projeto, no artigo Museus de Migrações – Porquê e para quem?, um “museu é, antes de tudo, um instrumento de educação e de difusão cultural destinado a criar referências, visíveis e concretas, que ultrapassem o fluir do tempo. Tanto os centros de pesquisa, que em regra os integram ou lhe estão associados, como os acervos que vão sendo constituídos produzem registos para memória futura”.

 

sábado, 10 de abril de 2021

Menina e Moça me Levaram

 

Os últimos anos têm sido pródigos na conceção e realização de obras de autoras nacionais ou lusodescendentes residentes no estrangeiro dedicadas às mundividências femininas no contexto migratório, umas das dimensões da emigração portuguesa que por via destes contributos literários começa a ser mais conhecida e estudada.

Um desses contributos literários, intitulado Menina e Moça me Levaram, acabou recentemente de dar à estampa através do trabalho proficiente da professora Aida Baptista, que nos últimos anos de docência desempenhou o cargo de Leitora de Língua e Cultura Portuguesas no Estrangeiro, ao serviço do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (ICALP) e do Instituto Camões (IC).

Colaboradora da imprensa de língua portuguesa no mundo, onde publica regularmente artigos ligados ao fenómeno migratório, e autora dos livros Passaporte Inconformado e Chão da Renúncia, Aida Baptista é a responsável pela organização de uma obra que demanda o seu título no evocativo de saudade que dá início ao prólogo do livro Saudades, mais conhecido por História de Menina e Moça de Bernardim Ribeiro.

Assente num conjunto de histórias, contadas na primeira pessoa, de mulheres das mais diversas origens, profissões e faixas etárias, que, levadas por escolhas alheias (salvo raras exceções), passaram por processos migratórios em diferentes contextos geográficos, a obra  Menina e Moça me Levaram, com chancela da Editora Alma Letra, conta ainda com prefácio de Manuela Aguiar, antiga secretária de Estado da Emigração.

O lançamento da coletânea, que nas palavras da prefaciadora encontra-se “cheia de ensinamentos, e experiências, comovente, intimista poética, pitoresca, factual, escrita a muitas mãos, muitos destinos. Com elas viajamos pelas memórias, por paisagens de alma e sentimentos, por roteiros que cruzaram todos os continentes e mares”, integra-se nas comemorações dos 25 anos de vida ativa da Associação Mulher Migrante (AMM).

Uma associação de estudo, cooperação e solidariedade cuja principal missão passa pela análise da problemática das migrações femininas; pela cooperação com as mulheres profissionais e dirigentes de associações das comunidades portugueses no mundo e com imigrantes que vivem em território nacional; pelo combate ativo contra ideias e movimentos xenófobos; e pelo apoio à integração das mulheres na sociedade de acolhimento e defesa dos seus direitos de participação social, económica e política.

Nesse sentido, a coletânea Menina e Moça me Levaram, enquanto repositório de um conjunto diverso de experiências e narrativas vivenciadas por mulheres assume-se como um relevante contributo no alumiamento da componente feminina no fenómeno migratório, que vai ao encontro do anelo da “dama da literatura brasileira” Lygia Fagundes Telles: “Sempre fomos o que os homens disseram que nós éramos. Agora somos nós que vamos dizer o que somos”.