Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

A incessante generosidade das comunidades portuguesas em tempo de coronavírus


Nestes tempos difíceis que todos atravessamos, devido aos efeitos da pandemia de coronavírus que gerou num curto espaço de tempo uma crise socioeconómica mundial sem precedentes, a generosidade das comunidades portuguesas tem sido a todos os títulos notável e inspiradora.

Uma generosidade que perpassa a geografia universal das várias comunidades lusas, e que se revela fundamental para mitigar o espectro de desemprego, as perdas de rendimento e as grandes dificuldades de vida que bateram à porta de muitos compatriotas.

Os exemplos deste sentimento coletivo de solidariedade são muitos e variados. Na semana passada, por exemplo, a comunidade portuguesa em Paris, seguramente, a maior comunidade lusa no estrangeiro, recolheu através da iniciativa “Todos juntos” da Rádio Alfa, a emissora mais popular dos portugueses na capital francesa, dez toneladas de alimentos, 50 caixotes de roupa e mais de 10 mil euros em donativos para ajudar compatriotas que neste momento sofrem os efeitos da covid-19 na região de Paris.

Por esta altura, mas em Toronto, a maior cidade do Canadá, onde reside uma das mais dinâmicas comunidades portuguesas da América do Norte, uma outra relevante plataforma de comunicação social lusa. Designadamente, a MDC Media Group, presidida pelo comendador Manuel da Costa, um dos mais ativos e beneméritos empresários luso-canadianos, que incorpora órgãos de informação como o jornal Milénio Stadium, as revistas Amar e Luso Life, e a Camões Rádio e TV, encontra-se a promover a recolha de alimentos para entregar no Food Bank of Canada.

Ainda na América do Norte, mais concretamente em Newark, Nova Jérsia, onde vive uma das maiores comunidades portuguesas nos Estados Unidos, o Sport Club Português de Newark, um dos mais antigos e dinâmicos dos EUA, tem presentemente através dos seus dirigentes colaborado regularmente na distribuição de cabazes por várias famílias luso-americanas.

Estes exemplos de generosidade, e muitos outros que estão atualmente a ser dinamizados no seio das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, provam que a pandemia de coronavírus não impede a solidariedade, antes pelo contrário, e que todos nós podemos contribuir, na medida das nossas possibilidades e disponibilidade, para o bem comum.

 

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Hospitais e Saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal


Há sensivelmente dois anos, a editora Fiocruz, que concentra a maior parte dos lançamentos da Fundação Oswaldo Cruz, a mais importante instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina, e uma das principais instituições mundiais de pesquisa em saúde pública, localizada no Rio de Janeiro, lançou o livro “Hospitais e Saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal”. 

Organizado pelo arquiteto Renato Gama-Rosa, investigador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), e Cybelle Miranda, investigadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), o livro é constituído por sete capítulos. Designadamente, “Edifícios da Saúde no Rio de Janeiro Oitocentista” de Inês El-Jaick Andrade, Renato da Gama-Rosa Costa e Éric Alves Gallo; “Hospitais na Belém Oitocentista: classicismo e diálogo entre matrizes luso-brasileiras” de Cybelle Salvador Miranda; “Da Instituição Asilar ao Movimento Antimanicomial: a reconstituição da memória do Hospital Juliano Moreira do Pará” de Emanuella da Silva Piani Godinho e Cybelle Salvador Miranda; “Arquitetura da Saúde como Patrimônio: Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará” de Cibelly Alessandra Rodrigues Figueiredo; “A Casa da Misericórdia no Contexto da Arquitetura Portuguesa da Saúde na Centúria do Oitocentos em Portugal”  de Joana Balsa de Pinho e Fernando Grilo; “O Hospital da Misericórdia de Fafe e a Contribuição da Benemerência Brasileira em Portugal no Século XIX” de Daniel Bastos; e “A Arquitetura Assistencial em Portugal no Início do Século XX: o Sanatório de Sant’Ana” de Maria João Bonina e Fernando Grilo.
 
O historiador Daniel Bastos (dir.), na sessão de apresentação em junho de 2019, do livro “Hospitais e Saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal”, na Santa Casa da Misericórdia de Fafe, acompanhado do arquiteto e urbanista brasileiro Renato Gama-Rosa
Ao longo dos sete capítulos do livro, que no decurso dos últimos dois anos foi já apresentado em diversas cidades brasileiras e portuguesas, os cientistas sociais luso-brasileiros revisitam a benemérita rede de dezenas de hospitais e associações de beneficência, que emigrantes portugueses na transição do séc.XIX para o séc. XX construíram em várias localidades brasileiras, principal destino da emigração lusa na época, que originalmente se destinavam à ajuda mútua entre os sócios, membros da comunidade portuguesa, e que ainda hoje são instituições de referência no Brasil e na América do Sul. Assim como o contributo da filantropia dos “brasileiros de torna-viagem”, emigrantes portugueses enriquecidos no Brasil, que no alvorecer do séc. XX estiveram, entre outras obras beneméritas, na base da construção de hospitais nas suas terras de origem, e que na atualidade, numa época tão marcada pela pandemia de coronavírus que afeta o mundo, como é o caso das comunidades portuguesas, não podem deixar de ser recordados como exemplos inspiradores de e solidariedade.

sábado, 13 de junho de 2020

Cândido Faria, empresário e benemérito da comunidade portuguesa em França


No decurso da semana passada, fomos surpreendidos com a triste notícia do falecimento em Paris do empresário Cândido Faria, um dos mais destacados empresários e beneméritos da comunidade portuguesa em França, a mais numerosa das comunidades lusas no Velho Continente, rondando um milhão de pessoas.

Natural de Riba de Ave, vila do concelho minhoto de Famalicão, Manuel Cândido Faria chegou França aos 12 anos, onde começou a trabalhar no ramo da construção civil aos 16 anos, tendo pouco tempo depois, aos 22 anos, adquirido a empresa onde obteve o seu primeiro trabalho.

Exemplo genuíno de um self-made man, o sucesso que alcançou ao longo das décadas no mundo dos negócios foi constantemente acompanhado de um generoso apoio a projetos emblemáticos da comunidade portuguesa no território gaulês. Como foi o caso das obras da Casa de Portugal em Paris, construída na década de 1960, por iniciativa de Azeredo Perdigão, então diretor da Fundação Calouste Gulbenkian, e recentemente renovada, graças entre outros, a Cândido Faria cuja filantropia revelou-se decisiva na renovação das salas Fernando Pessoa e Vieira da Silva que acolhem anualmente mais de uma centena de eventos culturais.

A dimensão benemérita do empresário português radicado em França beneficiou ainda ultimamente a renovação da igreja de Gentilly, no sul de Paris, entregue no final dos anos 70 à comunidade portuguesa, e encontra-se igualmente plasmada na construção da Casa de Portugal em Plaisir, nos arredores de Paris, e na Casa do Benfica na capital francesa. 

A trajetória de sucesso e o cariz altruísta de Cândido Faria foram reconhecidas em 2016, durante as comemorações oficiais do 10 de junho em Paris, tendo o empresário recebido das mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o grau de oficial da Ordem de Mérito. 

Numa época em que as comunidades portuguesas enfrentam dificuldades devido à pandemia, evocar o exemplo e memória de Cândido Faria constitui um lampejo de esperança e de empenho coletivo na construção de um futuro melhor assente em princípios basilares de entreajuda, progresso e solidariedade.  

domingo, 7 de junho de 2020

O entrecruzamento da Guerra Colonial com a Emigração Portuguesa


A Guerra Colonial (1961-1974), época de confrontos bélicos entre as Forças Armadas Portuguesas e os Movimentos de Libertação das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, representa um dos acontecimentos mais marcantes da história nacional e africana de expressão portuguesa do séc. XX.
 
Em 2019, o historiador Daniel Bastos (dir), cujo percurso tem sido alicerçado no seio das Comunidades Portuguesas, visitou o monumento de homenagem aos militares portugueses e canadianos mortos em situações de guerra no cemitério Glen Oak Memorial Garden, na cidade de Oakville, junto a Toronto, na companhia do ex-combatente da Guerra Colonial, Artur Jesus (esq.), e atual Presidente da Assembleia Geral da Associação Cultural 25 de Abril em Toronto
Conflito bélico dramático, trágico e traumatizante para mais de um milhão de portugueses, que prestaram serviço militar nas três frentes de combate, onde tombaram cerca de 8.300 soldados, assim como para as populações angolanas, guineenses e moçambicanas, cujo número total de vítimas, entre guerrilheiros e civis, terá sido superior a 100 mil mortos, a Guerra do Ultramar ou Guerra da Libertação desencadeou profundas alterações demográficas, económicas, sociais, culturais e politicas.
Em Portugal, o desgaste provocado pela Guerra Colonial, que esteve na base do derrube do regime ditatorial salazarista que imperou entre 1933 e 1974, entrecruzou-se com o fenómeno da emigração. Nas décadas de 1960-70, a miséria, a pobreza e a fuga ao serviço militar de milhares de jovens como forma de escapar à incorporação na Guerra do Ultramar, impeliram a saída legal ou clandestina, de mais de um milhão de portugueses em direção ao centro da Europa, em particular para França.   

O fim da Guerra Colonial e a descolonização recrudesceriam o fenómeno migratório, não só por via da chegada ao território nacional de mais de meio milhão de portugueses de África, conhecidos como “retornados”. Mas também, pelo facto da independência das antigas colónias portuguesas de Angola e Moçambique, terem tornado no final dos anos 70, a África do Sul como o principal destino dos portugueses em África.

No entanto, no campo historiográfico do entrecruzamento da Guerra Colonial com a emigração portuguesa, existe ainda uma dimensão de conhecimento pouco ou nada estudada, designadamente a emigração nos anos 70 e 80 de milhares de antigos combatentes da Guerra do Ultramar. O impacto da emigração, ainda pouco conhecido, de milhares de homens que estiveram na Guerra Colonial, pode ser aferido pelo papel de assistência e preservação de memória dinamizado pela Liga dos Combatentes do Núcleo de Ontário, a segunda maior província do Canadá onde vivem cerca de meio milhão de portugueses, entre eles, mais de 20 mil antigos combatentes da Guerra do Ultramar, segundo dados veiculados pelo Núcleo de Ontário.