Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

domingo, 27 de agosto de 2023

Eduardo Eusébio: um paladino da língua portuguesa na Califórnia

Uma das marcas mais características das comunidades portuguesas espalhadas pelos quatro cantos do mundo é indubitavelmente a sua dimensão empreendedora, como corroboram as trajetórias de diversos compatriotas que criam empresas de sucesso e desempenham funções de relevo a nível cultural, social, económico, político e associativo. Nos vários exemplos de dirigentes associativos e fautores da cultura lusa na diáspora, cada vez mais percecionados como um ativo estratégico na promoção e reconhecimento do país, tem-se destacado, ao longo dos últimos anos, o percurso notável de Eduardo Eusébio em prol da língua portuguesa na Califórnia. Natural de Fonte do Mouro, em São Brás de Alportel, vila portuguesa no distrito de Faro, onde nasceu em 1944 e frequentou o ensino elementar, a dedicação nos estudos que prossegui em Olhão. E o desejo de conhecer novos lugares e descobrir outras culturas, impeliram no final do ano de 1963 o jovem algarvio a aceitar uma proposta para estudar inglês na Califórnia, o estado com maior diáspora de origem portuguesa nos Estados Unidos da América (EUA). A chegada ao estado mais populoso dos Estados Unidos marcou o início de uma trajetória fulgurante no campo académico, sempre com o foco direcionado para a educação e promoção da língua portuguesa na Califórnia. Docente de português em várias universidades comunitárias, assim como de francês e espanhol no ensino secundário, tendo mesmo ocupado diversos cargos administrativos como diretor, reitor e superintendente de instituições de ensino secundário e universitário, o são-brasense foi, no ocaso dos anos 60, convidado para ser professor assistente na Universidade da Califórnia em Davis. A solidez e diversidade da fulgurante carreira académica de Eduardo Eusébio, não impediram o mesmo de colaborar com a Universidade dos Açores na preparação de professores de português. E levaram-no inclusive, na década de 1990, a ser professor do consagrado ator norte-americano John Travolta, durante a rodagem do filme “Phenomenon” (Fenómeno), que tinha algumas falas na língua de Camões, e cuja personagem portuguesa feminina, por sua sugestão, se chamava Micaela, o nome da sua conterrânea, grande suporte e companheira de vida que tinha emigrado muito jovem para a América. O profundo comprometimento do professor universitário com a comunidade portuguesa na Califórnia, encontra-se plasmado nos alicerces e estruturação ao longo de quatro décadas da Conferência Anual da Luso-American Education Foundation (LAEF), uma organização, fundada em 1963, cuja missão visa a preservação, promoção e divulgação da língua e cultura portuguesa na Califórnia. Constantemente ligado às comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, e colaborador assíduo em inúmeros estudos e publicações de artigos na área cultural e do movimento associativo, o percurso notável de Eduardo Eusébio em prol da língua portuguesa na Califórnia, foi distinguido no alvorecer dos anos 90, pelo antigo Presidente da República, Mário Soares, que o agraciou com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Uma ordem honorífica portuguesa, que visa distinguir a prestação de serviços relevantes a Portugal, no país ou no estrangeiro, por serviços na expansão da cultura portuguesa, da sua História e dos seus valores. Uma das figuras mais consideradas e respeitadas da comunidade portuguesa na Califórnia, onde residem mais de 300 mil luso-americanos, na sua maioria oriundos dos Açores, o esforço e dedicação desprendida do comendador Eduardo Eusébio, paladino da língua portuguesa que nunca olvida as suas raízes, lembra-nos a máxima do filósofo e grande idealista alemão Johann Fichte: “A língua de um povo é a sua alma”.

domingo, 20 de agosto de 2023

Monumentos ao Emigrante na Diáspora

A dimensão e relevância da emigração no território nacional, uma constante estrutural da sociedade portuguesa, têm impelido a construção nos últimos anos, um pouco por todo o país, de vários monumentos ao emigrante, com o objetivo de reconhecer e homenagear o contributo que prestam ao desenvolvimento das suas terras de origem. Como observam as sociólogas Alice Tomé e Teresa Carreira, em Emigração, Identidade, Educação: Mitos, Arte e símbolos Lusitanos, este fenómeno de construção de monumentos ao emigrante «marca na atualidade a paisagem portuguesa», sendo em grande medida o reflexo da «alma de um povo lutador, trabalhador, fazedor de mitos que, pelas mais variadas razões, não hesita em dobrar fronteiras». Menos conhecidos do público em geral, mas não menos repletos de simbolismo e sentimento pátrio, são também vários os exemplos de monumentos aos emigrantes portugueses erigidos ao longo dos anos no seio da Diáspora, perpetuando simultaneamente, o inestimável papel que os mesmos dinamizam nas pátrias de acolhimento, e acalentando a sua filiação à pátria de Camões. Por exemplo, em França, foi inaugurado em 2008, um monumento de homenagem à comunidade portuguesa, a mais numerosa das comunidades lusas na Europa e uma das principais comunidades estrangeiras estabelecidas no território gaulês, rondando um milhão de pessoas. A obra do escultor português, Rui Chafes, intitulada “Venho de ti/Je viens de toi”, encontra-se instalada no Parc Départemental du Plateau, em Champigny, um antigo enorme bairro de lata que, em plena epopeia da emigração lusa para França nos anos 60, albergou mais de uma dezena de milhares de portugueses. Na América do Norte, onde residem das mais numerosas e dinâmicas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, encontram-se alguns dos mais emblemáticos monumentos que assinalam a herança portuguesa. É o caso do Canadá, cuja comunidade lusa se destaca pela atividade associativa, económica e sociopolítica, e cujas raízes da comunidade portuguesa remontam a 13 de maio de 1953, época do desembarque em Halifax, província de Nova Escócia, dos primeiros emigrantes portugueses. No entrecho deste legado histórico, foi inaugurado em 1978, no âmbito dos 25 anos da presença portuguesa no Canadá, o “Monumentos dos Pioneiros” no High Park. Um monumento de granito e mármore que ocupa desde então um papel basilar nas festividades do 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, sempre celebradas fervorosamente pela comunidade luso-canadiana em Toronto, metrópole onde vive a maioria dos mais de 500 mil portugueses e lusodescendentes presentes no Canadá. Ainda este ano, no âmbito do 70.º aniversário da emigração portuguesa para o Canadá, foi inaugurada na Camões Square em Toronto, espaço simbólico que albergava já monumentos como a Fonte dos Pioneiros Portugueses, um Mural de Azulejos e o Portuguese Canadian Walk of Fame, uma escultura imponente encomendada pelo comendador Manuel DaCosta, um dos mais ativos e beneméritos empresários portugueses em Toronto, designada “Anjo da Guarda”. Esculpida em mármore de Estremoz pelo escultor português, Paulo Neves, é composta por sete peças, cada uma delas representativa de uma década de emigração. Mais a sul, no Brasil, onde continua a residir a maior comunidade lusa da América Latina, encontram-se dois exemplos significativos da eternização do fluxo migratório e da importância da presença portuguesa no vasto país sul-americano. Mormente, em Porto Alegre, município e capital do estado mais meridional do Brasil, o Rio Grande do Sul, onde foi inaugurado em 26 de março de 1974, aniversário da cidade, o “Monumento dos Açorianos”, em homenagem à chegada no séc. XVIII dos primeiros sessenta casais açorianos que povoaram a cidade. O monumento majestoso de linhas futuristas, localizado no Largo dos Açorianos, e assinado pelo escultor Carlos Tenius, recentemente restaurado e revitalizado, tem inscrito uma frase lapidar: "Jamais sonhariam aqueles casais açorianos, que da semente que lançavam ao solo nasceria o esplendor desta cidade”. Também no Brasil, mas em agosto de 1996, foi inaugurado em Florianópolis, no Estado de Santa Catarina, o “Monumento ao Povoamento Açoriano”. Construído na cabeceira continental da ponte Pedro Ivo Campos, que liga a Ilha de Santa Catarina ao continente, e assinado pelo artista plástico Guido Heuer, a iniciativa do monumento foi promovida pela Universidade Federal de Santa Catarina (NEA), a Prefeitura Municipal de Florianópolis e o Governo Regional do Açores, constituindo uma singulçar homenagem aos açorianos espalhado pelo sul do Brasil. Estes monumentos, e outros que se encontram ou possam vir a ser projetados nas pátrias de acolhimento dos portugueses espalhados pelo mundo, são uma indubitável mais-valia na perpetuação da memória da emigração lusa. Como salientam as investigadoras Eloisa Ramos e Luciana de Oliveira, no artigo Sobre história, memória e patrimônio no Sul do Brasil - monumentos aos açorianos em Porto Alegre e Florianópolis, erigir «monumentos, neste contexto, é comemorar e é, também, prestar homenagem, já que um monumento, como nos diz o Dicionário da língua portuguesa é, em primeiro lugar, “[...] uma obra de arte levantada em honra de alguém, ou para comemorar algum acontecimento notável”».

sábado, 12 de agosto de 2023

José Saldanha: lutador pela liberdade, emigrante e empreendedor

 

Entre 1933 e 1974 vigorou em Portugal um regime autoritário e conservador, designado de Estado Novo, sustentado na força repressiva da polícia política (PIDE), nas amarras da censura e na ausência de liberdade. Um regime idealizado pelo seu principal mentor, Oliveira Salazar, ditador de um país eminentemente rural, pobre, atrasado e analfabeto.

Apesar da repressão e violência foram vários os que se opuseram às ideias do Estado Novo, e instaram na luta política de oposição ao regime em defesa dos ideais da liberdade e da democracia. Entre esses vários lutadores pela liberdade e democracia, muitos deles protagonistas anónimos da história portuguesa, destaca-se o percurso inspirador e singular de José Saldanha, um emigrante empreendedor de sucesso no Brasil.

José Saldanha

Natural de Fafe, concelho localizado na região do Baixo Minho, José Saldanha nasceu em 1929, no ocaso da Primeira República, no seio de uma família comprometida com os ideais democráticos republicanos. Filho do comerciante e político António Saldanha (1904-1978), afamado oposicionista estadonovista no distrito de Braga, inúmeras vezes preso pela PIDE e proprietário do Café Avenida, em Fafe, base dos resistentes antifascistas na Sala de Visitas do Minho, e em várias ocasiões, antecâmara da viagem “a salto” para quem procurava melhores condições de vida, José Saldanha cedo seguiu as pisadas do pai na luta pelos ideais da liberdade e democracia.

Com um percurso educativo que computou a frequência do vetusto Colégio Araújo Lima, na cidade do Porto, José Saldanha foi um elemento ativo do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUD Juvenil) na região nortenha. Na esteira da figura paterna, foi um entusiasta da candidatura oposicionista do general Norton de Matos à Presidência da República em 1949, assim como da candidatura oposicionista de Humberto Delgado, o “General Sem Medo”, em 1958, que acabaria assassinado em 1965 por agentes da PIDE, após ter sido atraído para uma cilada em Badajoz (Espanha).

Em 1961, após no final da década antecedente ter acumulado experiência profissional na área petrolífera em Angola, antiga colónia portuguesa em África, José Saldanha alertado pela ameaça de prisão da PIDE, com o auxílio do pai atravessa clandestinamente o rio Minho, para a Galiza, adquirindo em Vigo o bilhete da passagem de barco para o Brasil.

No vasto país sul-americano, onde continua a residir a maior comunidade lusa da América Latina, o oposicionista e emigrante por motivos políticos conheceu em 1962, no Rio de Janeiro, a brasileira Nilza Saldanha, grande suporte e companheira de vida. Encetando uma carreira fulgurante e bem-sucedida no ramo comercial e empresarial, através da representação de firmas de tecidos que eram exportados para Angola, assim como de representante da Philips e Volkswagen Brasil, orientado a exportação de material elétrico e automóveis para territórios africanos de expressão portuguesa. O emigrante fafense, manteve-se concomitantemente um oposicionista estadonovista ativo no Movimento Nacional Independente (MNI), uma organização criada por Humberto Delgado que visava manter unidas as forças da oposição no combate à ditadura após as fraudulentas eleições de 1958 que elegeram como Presidente da República, Américo Tomás, e impeliram em 1959, Humberto Delgado para o exílio no Brasil.

Nas memórias vivas de José Saldanha, ainda hoje o mesmo revive diversos episódios da sua ligação, enquanto 2.º Secretário do MNI, na luta contra o Estado Novo a partir do Brasil.  Mormente, o facto de ter custeado as despesas das cerimónias fúnebres no Brasil de Arajaryr Campos, cidadã brasileira e Secretária do General Humberto Delgado, assassinada conjuntamente com o herói da liberdade português pela PIDE em 1965. Ou, ter sido, com o seu passaporte que Hermínio da Palma Inácio (1922–2009), conhecido revolucionário que participou em diversas ações subversivas, partiu do Brasil em direção a Portugal, concretizando em 17 de maio de 1967, o histórico assalto da dependência do banco de Portugal da Figueira da Foz, procurando assim financiar as operações antifascistas no exterior.

Neste sentido, o percurso inspirador e singular do nonagenário lutador pela liberdade, emigrante e empreendedor de sucesso no Brasil, profundamente dedicado e estimado pela extensa prole, e que periodicamente regressa ao seu torrão natal para passar as férias e matar saudades, inspira-nos a máxima do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre: Quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem”.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

João Pires: um exemplo de empreendedorismo e humildade na comunidade portuguesa da Califórnia

 

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

No seio da numerosa comunidade lusa nos EUA, segundo dados dos últimos censos americanos residem no território mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, destacam-se vários percursos de vida de compatriotas que alcançaram o sonho americano ("the American dream”).

Entre as várias trajetórias de portugueses que começaram do nada na América e ascenderam na escala social graças a capacidades extraordinárias de trabalho, mérito e resiliência, destaca-se o percurso inspirador e de sucesso do comendador João Pires, dirigente associativo, criador de gado e produtor de leite no Vale de São Joaquim, um dos centros da emigração portuguesa na Califórnia.

Natural da Ladeira Grande, freguesia da Ribeirinha, Ilha Terceira, emigrou dos Açores na década de 1970, época em que casou com o grande suporte e companheira de vida Cecília Correia, para o sul da Califórnia na esteira transatlântica de milhares de compatriotas em busca de uma vida melhor.

Desde sempre ligado à indústria do leite, e detentor de uma personalidade abnegada, modesta e resiliente, e profundamente comprometida com a família e o trabalho, estabeleceu-se nos anos 80 em Hilmar. E na década seguinte, em Gustine, lançando assim as bases para a criação de uma das maiores e mais modernas leitarias da Califórnia, hoje com mais de dez mil cabeças de gado, contexto que contribui decisivamente para que seja unanimemente reconhecido como um dos mais destacados produtores leiteiros no Condado de Merced.

A trajetória singular de João Pires, que constantemente faz das fraquezas forças, e encontra nas adversidades oportunidades, lemas de vida essenciais para singrar ao longo dos anos num sector que não é imune a crises e dificuldades, foram enaltecidas no ano passado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. No âmbito de uma visita de cinco dias aos principais centros da emigração portuguesa na Califórnia, o chefe de Estado atribuiu, no salão português de Gustine, ao emigrante açoriano a comenda da Ordem do Mérito, destinada a galardoar atos ou serviços meritórios no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas, que revelem abnegação em favor da coletividade.

No decurso da cerimónia, o mais alto magistrado da Nação, explicou a atribuição do galardão com termos devidamente elucidativos: «havia muitas pessoas que mereciam ser condecoradas», nesta região, mas "quis encontrar alguém que é muito humilde, fala pouco, faz muito mas fala pouco, está sempre presente. Ele é um grande empresário, produtor aqui, mas sobretudo tem ajudado muito, muito as associações aqui».

De facto, o sucesso que o emigrante terceirense alcançou ao longo dos últimos anos no mundo dos negócios, tem sido acompanhado de um apoio constante à comunidade luso-americana. Por exemplo, o comendador João Pires é um dos grandes beneméritos das Festas do Espírito Santo na Califórnia, sendo desde os anos 90, tesoureiro da Festa do Espírito Santo de Gustine.

Esta ligação marcante à Festa do Espírito Santo, uma das características indeléveis da cultura açoriana, concorrem para que o mesmo não olvide as suas raízes e seja igualmente um conhecido benemérito e padroeiro na sua terra natal. Ainda em 2017, no seguimento das comemorações do Divino Espírito Santo na Ladeira Grande, o casal Cecília e João Pires ofereceu à freguesia três touradas à corda.

Uma das figuras mais consideradas e respeitadas da comunidade luso-americana da Califórnia, o exemplo de empreendedorismo e humildade do comendador João Pires, inspira-nos a máxima do escritor indiano Rabindranath Tagore: “Quanto maiores somos em humildade, tanto mais próximos estamos da grandeza”.