Na senda
das vagas contemporâneas de emigrantes portugueses para vários países do mundo, evidencia-se o ciclo
transatlântico que se prolongou de meados do século XIX até ao primeiro quartel
do século XX, e que teve como principal destino o Brasil.
Pressionados
pela carestia de vida e baixos salários agrícolas, mais de um milhão de
portugueses entre 1855 e 1914 atravessaram o oceano Atlântico, essencialmente
seduzidos pelo crescimento económico da antiga colónia portuguesa. Procedente
do mundo rural e eminentemente masculino, o fluxo migratório foi
particularmente incisivo no Minho, um dos principais torrões de origem da emigração
portuguesa para o Brasil.
Enobrecidos
pelo trabalho, maioritariamente centrado na atividade comercial, e após uma
vintena de anos geradores de um processo de interação social que os colocou em
contacto com novas realidades, hábitos, costumes e posses, o regresso de “brasileiros
de torna-viagem” a Portugal, trouxe consigo um espírito burguês empreendedor e
filantrópico marcado pela fortuna, pelo gosto de viajar, e pelo fascínio
cosmopolita da cultura e língua francesa.
Ainda
que sintomática das debilidades estruturais do país, a emigração para o Brasil
entre o séc. XIX e XX, facultou através do retorno dos “brasileiros de
torna-viagem”, os meios e recursos necessários para a transformação
contemporânea do território nacional, com particular incidência no Norte de
Portugal.
Como
é o caso paradigmático de Fafe, uma cidade situada no distrito de Braga, no
coração do Minho, cujo desenvolvimento contemporâneo teve um forte cunho de
emigrantes locais enriquecidos no Brasil nesse período. O retorno dos “brasileiros de torna-viagem” a Fafe alavancou, desde logo, nas décadas de
1870-80, a criação da Fábrica têxtil do Bugio, e da Companhia de Fiação e
Tecidos de Fafe (Fábrica do Ferro), símbolos incontornáveis da indústria têxtil
no Vale do Ave.
Paralelamente à dinâmica empreendedora, as iniciativas
de natureza filantrópica dos emigrantes “brasileiros” de Fafe, abarcaram ainda
no último quartel do séc. XIX, o lançamento da Igreja Nova de São José, a
edificação do Asilo da Infância Desvalida, a construção do Jardim Público, símbolo
do romantismo, o surgimento da Associação Humanitária dos Bombeiros
Voluntários, a instituição da Santa Casa da Misericórdia de Fafe, e já no
alvorecer do séc. XX, o Asilo de Inválidos de Santo António.
As
marcas da benemerência brasileira local estão ainda paradigmaticamente consubstanciadas
na construção do Hospital de São José, administrado pela Santa Casa da Misericórdia
de Fafe, e que foi alavancado por um conjunto de influentes fafenses no Rio de
Janeiro, que angariaram os fundos necessários para a edificação da unidade de
saúde, com a incumbência do mesmo seguir a planta arquitetónica do Hospital da
Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro.
Inaugurado
em 19 de março de 1863, o estabelecimento esteve durante mais de um século
sob a gestão da Misericórdia, desempenhando um papel relevante no atendimento e
tratamento de doentes locais e das Terras de Basto. Em particular, aos
oriundos dos estratos sociais mais desfavorecidos, até à sua nacionalização em
1975, com a criação do Serviço Nacional de Saúde.
No
decurso da década de 2010, o Hospital de São José, integrado no Serviço
Nacional de Saúde, no âmbito de um acordo de cooperação assinado entre a ARS
Norte e a Misericórdia de Fafe, passou novamente para a gestão da centenária
instituição, dinamizando, como desde a sua génese e dentro das vicissitudes da
prestação
de cuidados de saúde em Portugal, um relevante serviço à
comunidade.
Hospital de São José (Fafe)
Enraizado
na memória coletiva da
comunidade, a história e papel do Hospital de São José,
que assinalou no ocaso do mês passado160 anos, impeliram a edilidade minhota a
conceber uma exposição sobre a efeméride, enaltecendo o facto do imóvel
oitocentista constituir o paradigma da filantropia dos “brasileiros de
torna-viagem” em Fafe.
Como asseverava apaixonadamente, o saudoso mestre
Miguel Monteiro, um dos mais reputados investigadores no
campo do estudo dos “brasileiros de torna-viagem” e “alma mater” do Museu das Migrações e das
Comunidades, recuando localmente ao
alvorecer do séc. XX, encontramos nos “brasileiros” de Fafe aqueles que
alcançando fortuna no Brasil: “construíram residências, compraram quintas,
criaram as primeiras indústrias, contribuíram para a construção de obras
filantrópicas e participaram na vida pública e municipal, dinamizando a vida
económica, social e cultural”.
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