No
decurso dos últimos anos o acervo bibliográfico sobre o fenómeno migratório tem
sido profusamente enriquecido com o lançamento de um conjunto significativo de livros
que têm ampliado o estudo e conhecimento sobre a história da emigração
portuguesa.
Um
desses exemplos que asseveram a importância destas obras na análise e compreensão
da emigração portuguesa, encontra-se vertido no livro Saltar Fronteiras,
da autoria de João Machado. Natural da cidade berço de Portugal, e antigo
emigrante em França durante cerca de quarenta anos, pátria de acolhimento para
onde emigrou no alvorecer dos anos 70 na esteira de milhares de jovens lusos
que partiram “a salto” para o centro da Europa para fugir ao recrutamento militar e
à guerra em África, João Machado verteu nas páginas da sua recente obra,
memórias autobiográficas da epopeia da emigração portuguesa para
França.
Ao longo das suas mais de 400 páginas, o antigo
dirigente da Federação das
Associações Portuguesas em França, retrata a história de quatro
jovens vimaranenses, no ocaso dos anos 60, quando dois desertores e dois
refratários do exército colonial decidiram debandar para França.
Descrevendo a ambiência do torrão natal nessa
época, os sonhos irrealizáveis da juventude, o medo da PIDE e a recusa da Guerra
Colonial, como motivos basilares para a viagem “a salto” para França, João Machado,
um dos quatro jovens desertores, revive uma das dimensões da emigração
portuguesa que começa a atrair o olhar dos cientistas sociais, mormente, os desertores da Guerra Colonial, uma temática
que até há bem pouco tempo era quase tabu.
Um desses cientistas sociais
que nos últimos anos tem dedicado particular atenção à extensão, natureza e
impacto do fenómeno da deserção no quadro da Guerra do Ultramar, interligado com o
fenómeno da emigração portuguesa, é o investigador do Centro de
Estudos Sociais, Miguel Cardina.
Como o mesmo acentua, e João
Machado revive como eixo estruturante e relevante contributo da sua obra, entre
1961 e 1974, no quadro da Guerra Colonial, estima-se que mais de 200 mil jovens
portugueses tenham faltado à chamada para a incorporação militar. Para além dos
faltosos e refratários, mais de 8 mil jovens recusaram conscientemente combater
os movimentos de libertação africanos em Angola,
Moçambique e na Guiné, desgastando seriamente os pilares do estado autoritário
português.
Segundo Miguel Cardina, quase meio século volvido da
Revolução de Abril, “a sociedade portuguesa ainda não absolveu os desertores
que continuam sujeitos ao julgamento moral”. Sendo que, “se a tudo isto
juntarmos o binómio coragem/cobardia, que surge frequentemente quando se
discute esta questão, percebemos que as questões políticas e as questões morais
acabam por ter, ainda hoje, um peso importante e tornar este tema incómodo.”
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