Entre
1933 e 1974 vigorou em Portugal um regime autoritário e conservador, designado
de Estado Novo, sustentado na força repressiva da polícia política (PIDE), nas
amarras da censura e na ausência de liberdade. Um regime idealizado pelo seu
principal mentor, Oliveira Salazar, ditador de um país eminentemente rural,
pobre, atrasado e analfabeto.
Apesar
da repressão e violência foram vários os que se opuseram às ideias do Estado
Novo, e instaram na luta política de oposição ao regime em defesa dos ideais da
liberdade e da democracia. Entre esses vários lutadores pela liberdade e
democracia, muitos deles protagonistas anónimos da história portuguesa,
destaca-se o percurso inspirador e singular de José Saldanha, um emigrante
empreendedor de sucesso no Brasil.
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José Saldanha |
Natural
de Fafe, concelho localizado na região do Baixo Minho, José Saldanha nasceu em
1929, no ocaso da Primeira República, no seio de uma família comprometida com
os ideais democráticos republicanos. Filho do comerciante e político António
Saldanha (1904-1978), afamado oposicionista estadonovista no distrito de Braga,
inúmeras vezes preso pela PIDE e proprietário do Café Avenida, em Fafe, base
dos resistentes antifascistas na Sala de Visitas do Minho, e em várias
ocasiões, antecâmara da viagem “a salto” para quem procurava melhores condições
de vida, José Saldanha cedo seguiu as pisadas do pai na luta pelos ideais da
liberdade e democracia.
Com
um percurso educativo que computou a frequência do vetusto Colégio Araújo Lima,
na cidade do Porto, José Saldanha foi um elemento ativo do Movimento de
Unidade Democrática Juvenil (MUD Juvenil) na região nortenha. Na
esteira da figura paterna, foi um entusiasta da candidatura oposicionista do
general Norton de Matos à Presidência da República em 1949,
assim como da candidatura oposicionista de Humberto Delgado, o “General Sem
Medo”, em 1958, que acabaria assassinado em 1965 por agentes da PIDE, após ter
sido atraído para uma cilada em Badajoz (Espanha).
Em 1961, após no final
da década antecedente ter acumulado experiência profissional na área
petrolífera em Angola, antiga colónia portuguesa em África, José Saldanha
alertado pela ameaça de prisão da PIDE, com o auxílio do pai atravessa
clandestinamente o rio Minho, para a Galiza, adquirindo em Vigo o bilhete da
passagem de barco para o Brasil.
No
vasto país sul-americano, onde continua a residir a maior comunidade lusa da
América Latina, o oposicionista e emigrante por motivos políticos conheceu em
1962, no Rio de Janeiro, a brasileira Nilza Saldanha, grande suporte e companheira de vida.
Encetando uma carreira fulgurante e bem-sucedida no ramo comercial e
empresarial, através da representação de firmas de tecidos que eram exportados
para Angola, assim como de representante da Philips e Volkswagen
Brasil, orientado a exportação de material elétrico e automóveis para
territórios africanos de expressão portuguesa. O emigrante fafense, manteve-se
concomitantemente um oposicionista estadonovista ativo no Movimento Nacional
Independente (MNI), uma organização criada por Humberto Delgado que visava
manter unidas as forças da oposição no combate à ditadura após as fraudulentas
eleições de 1958 que elegeram como Presidente da República, Américo Tomás, e
impeliram em 1959, Humberto Delgado para o exílio no Brasil.
Nas memórias vivas de
José Saldanha, ainda hoje o mesmo revive diversos episódios da sua ligação,
enquanto 2.º Secretário do MNI, na luta contra o Estado Novo a partir do
Brasil. Mormente, o facto de ter
custeado as despesas das cerimónias fúnebres no Brasil de Arajaryr
Campos, cidadã brasileira e Secretária do General Humberto Delgado,
assassinada conjuntamente com o herói da liberdade português pela PIDE em 1965.
Ou, ter sido, com o seu passaporte que Hermínio da Palma Inácio (1922–2009),
conhecido revolucionário que participou em diversas ações subversivas, partiu
do Brasil em direção a Portugal, concretizando em 17 de maio de 1967, o
histórico assalto da dependência do banco de Portugal da Figueira da Foz, procurando
assim financiar as operações antifascistas no exterior.
Neste sentido, o
percurso inspirador e singular do nonagenário lutador pela liberdade, emigrante e empreendedor de sucesso no Brasil, profundamente
dedicado e estimado pela extensa prole, e que periodicamente regressa ao seu
torrão natal para passar as férias e matar saudades, inspira-nos a
máxima do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre: “Quando,
alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder
seja o que for contra esse homem”.
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