Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

sábado, 28 de agosto de 2021

A cultura marítima açoriana no Museu da Baleação em New Bedford

 

No seio da fértil cultura marítima açoriana, a baleação, também conhecida como pesca ou caça às baleias, ocupa um papel basilar na memória coletiva de muitas localidades açorianas, em particular, na ilha do Pico, o grande centro do antigo complexo baleeiro insular.

As raízes históricas da baleação açoriana remontam ao ocaso do séc. XVIII quando navios baleeiros da Nova Inglaterra, região no nordeste dos então recém-independentes Estados Unidos da América (EUA), que abrange os estados de Maine, Vermont, Nova Hampshire, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island, recrutavam no arquipélago tripulação para as suas longas campanhas.

A experiência adquirida a bordo dos navios americanos foi decisiva para o estabelecimento da atividade baleeira nos Açores, uma atividade indissociável da cultura e da história arquipelágica, ou no conceito de Vitorino Nemésio da açorianidade.

Uma atividade que tendo perdurado até ao termo da década de 1980, época em que Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a caça comercial seria entretanto proibida pela Comissão Baleeira Internacional, foi concomitantemente percursora da diáspora açoriana nos EUA, cuja presença no território se adensou a partir da segunda metade do séc. XIX, através da emigração de milhares de açorianos ligados aos negócios da pesca da baleia.

Um dos exemplos paradigmáticos do fenómeno migratório açoriano para a América impulsionado pela baleação encontra-se em New Bedford, uma cidade costeira situada no estado de Massachusetts. Com uma população de 100 mil habitantes, da qual cerca de 40% terá ascendência portuguesa, os pescadores açorianos constituíram a primeira vaga da imigração lusa em New Bedford a partir de 1870, época em que a cidade que detém um dos portos de pesca mais importantes dos EUA era um centro mundial da indústria baleeira.

Este relevante legado histórico esteve na base da edificação do Museu da Baleação de New Bedford, um espaço administrado pela Sociedade Histórica Old Dartmouth, fundada em 1903, e que tem como principal missão avançar no entendimento da influência da indústria baleeira e do porto de New Bedford na história, economia, ecologia, artes e culturas da região, da nação e do mundo.

Foi nesse sentido que, em 2010, foi inaugurado no Museu da Baleação de New Bedford, uma ala dedicada aos baleeiros dos Açores, designada de Galeria do Baleeiro Açoriano, e que se assume como o único espaço de exposição permanente nos EUA que presta homenagem aos portugueses, mormente açorianos, e o seu significativo contributo para a herança marítima norte-americana.  

O projeto da Galeria do Baleeiro Açoriano teve a sua génese em 1999, quando a saudosa professora universitária luso-descendente, Mary T. Vermette, apresentou uma proposta ao então ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, para que Portugal ajudasse a abrir o núcleo museológico. Diligência que levou o Estado português a aprovar uma contribuição de cerca de 700 mil dólares, e o Governo dos Estados Unidos a contribuir com 1,2 milhões para a renovação da ala do museu dedicada à galeria

Constituída por mais de uma centena de objetos, a Galeria do Baleeiro Açoriano além de conter peças de arte, artefactos, filmes e fotografias sobre os laços marítimos, culturais e sociais que unem os dois lados do Atlântico, homenageia ainda figuras históricas da comunidade açoriana de New Bedford, designadamente marinheiros, mestres, proprietários de embarcações e empresários marítimos.

Mais recentemente, através de fundos provenientes de uma bolsa atribuída pela fundação William M. Wood, criada por um magnata da indústria têxtil filho de um baleeiro açoriano, a Galeria do Baleeiro Açoriano foi enriquecida com dois relevantes elementos, nomeadamente um modelo em grande escala de um bote baleeiro açoriano e um posto de vigia recriado.

Como realça Ricardo Manuel Madruga da Costa, em A ilha do Faial na logística da frota baleeira americana no “Século Dabney”, a Galeria do Baleeiro Açoriano no Museu da Baleação em New Bedford, constitui “um admirável tributo que retrata, com criterioso uso de recursos ao nível das peças e da icnografia expostas, o que representou, de facto, a presença tão significativa do baleeiro das ilhas dos Açores”.

 

 

domingo, 22 de agosto de 2021

In memoriam Comendador Bernardino Coutinho

No decurso deste ano assinalam-se os cinco anos da morte do Comendador Bernardino Coutinho (1937-2016), um dos principais mentores das celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas em Newark, cidade onde se concentra uma das maiores comunidades lusas nos Estados Unidos da América (EUA).

Bernardino Coutinho nasceu em Marco de Canaveses, cidade do distrito do Porto, cujo pavilhão gimnodesportivo recebeu o nome deste filho ilustre que emigrou para a América com a esposa, Maria Coutinho, em 1967, com 30 anos, para trabalhar numa padaria.

Após seis anos de trabalho árduo, o casal marcuense lançou-se por conta própria, abrindo em 1973 o seu negócio de panificação na Chestnut Street. Rapidamente, o profissionalismo, o empenho, o esforço e a dedicação, permitiram expandir as Padarias Coutinho na cidade de Newark, designadamente no Ironbound, conhecido como o “bairro dos portugueses”, e implantar-se na cidade de Harrison e no distrito de North Arlington, ambos localizados no estado americano de Nova Jérsei.

O sucesso na área da panificação, inclusive nos anos 80 o casal Coutinho chegou a confecionar um bolo de aniversário do então presidente dos EUA, Ronald Reagan, foi amalgamado por parte de Bernardino com um profundo comprometimento com a comunidade portuguesa, tornando-se num dos seus mais extraordinários ativistas. Como espelha, o facto de ter lançando em 1980 as celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas em Newark, a cujo comité de organização presidiu durante 30 anos, tendo as mesmas chegado a ser consideradas as maiores em toda a diáspora lusa.

No início da década de 90, Bernardino Coutinho criou uma fundação com o seu nome com o principal objetivo de dinamizar atividades beneméritas, sobretudo ligadas à cultura portuguesa e à integração da comunidade lusa na sociedade norte-americana. Nessa esteira, durante anos a Fundação Bernardino Coutinho proporcionou aulas de inglês e de cidadania, impeliu a criação do Rancho Folclórico Dança na Eira, e foi um dos grandes impulsionadores do Ironbound Soccer Club, uma coletividade que acolhe atualmente, no âmbito do desporto juvenil, mais de um milhar de crianças.

O compromisso e a responsabilidade de Bernardino Coutinho com a comunidade portuguesa, que levam a que ainda hoje seja recordado como o principal impulsionador das comemorações do Dia de Portugal nos EUA, estiveram na base da sua distinção com a Ordem do Infante D. Henrique, atribuída pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes.

 Ao longo da sua vida, o saudoso ativista comunitário, que foi também presidente do Sport Club Português de Newark, um dos mais antigos dos EUA, e da Luso Internacional Sports Association-LISA, recebeu inúmeras homenagens. Destacando-se, entre outras, um doutoramento Honoris Causa do Essex County College, e a Ellis Island Medal of Honor, um prémio americano fundado pela Ellis Island Honors Society (EIHS), que distingue personalidades que se destacam pelo seu conhecimento, coragem indomável, compaixão sem limites, talentos únicos e generosidade altruísta.

O percurso de vida notável do Comendador Bernardino Coutinho ficou ainda patente no alvorecer deste ano, com a inclusão da sua estátua no Monumento ao Imigrante localizado no parque Peter Francisco, na cidade de Newark, e que assim perpetua a sua memória e marcas inolvidáveis na comunidade portuguesa nos EUA.

 

domingo, 15 de agosto de 2021

Carlos Ramos: herói sem capa da comunidade portuguesa na Suíça

 

As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo são um campo fértil em exemplos notáveis de uma cidadania comprometida com a dignidade do ser humano, merecedores do nosso maior respeito e admiração.

Um desses exemplos inspiradores, que nunca devemos esquecer, é indubitavelmente o do comendador Carlos Ramos, antigo conselheiro da comunidade portuguesa na Suíça, a quem tem devotado ao longo das últimas décadas uma intensa dinâmica associativa, e um dos sobreviventes e heróis de Alcafache, o maior acidente ferroviário de sempre em Portugal.

Natural do concelho de Tondela, distrito de Viseu, Carlos Ramos decidiu emigrar para a Suíça em 1985, aos 25 anos de idade, em demanda de melhores condições de vida e numa época em que a nação helvética começava a tornar-se o principal pólo de atração da emigração lusa em detrimento da França. A 11 de setembro desse ano, o jovem tondelense apanhou o “comboio do emigrante” Sud Express, em Santa Comba Dão, que o levaria para a Suíça, sendo que apenas 20 minutos após o início da viagem sobreveio um choque frontal entre o Sud Express e o regional que vinha da Guarda.

O trágico acidente ferroviário, que ocorreu junto ao Apeadeiro de Moimenta-Alcafache, na freguesia de Moimenta de Maceira Dão, concelho de Mangualde, e cuja estimativa oficial aponta para 49 mortos, dos quais apenas 14 foram identificados, continuando ainda 64 passageiros oficialmente desaparecidos, projetou Carlos Ramos do comboio mas sabendo que havia pessoas presas dentro da carruagem, regressou ao mesmo e conseguiu salvar duas vidas tendo com o seu gesto assombroso partido as pernas e sofrido queimaduras em 70% do corpo.

Gravemente ferido, o sobrevivente e herói de Alcafache seria evacuado para Lisboa no helicóptero que transportava o então Presidente da República, Ramalho Eanes, que acabou por ter um papel decisivo no seu salvamento e com quem criou uma forte amizade que perdura até aos dias de hoje. Após um período doloroso de recuperação, que incluiu dezenas de operações, e que nem sempre teve o devido reconhecimento do seu gesto de altruísmo extraordinário por parte dos responsáveis dos Caminhos de Ferro Portugueses, Carlos Ramos, detentor de um espírito abnegado, franco e resiliente, emigraria definitivamente para a Suíça em 1993, já casado e com um filho de um ano, estabelecendo-se em Neuchâtel como viticultor.

Foi a partir da capital do cantão suíço homónimo que o herói sem capa da comunidade portuguesa em terras helvéticas encetou uma relevante dinâmica em prol do movimento associativo luso. Designadamente, no Centro Português de Neuchâtel, no Grupo de Veteranos de Neuchâtel e na Casa do Benfica de Neuchâtel, e que o catapultaria até há poucos anos como membro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) da Suíça.

Radicado há quase trinta anos na nação helvética, o exemplo de vida inspirador e notável do emigrante tondelense, foi oficialmente reconhecido em 2018, quando o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a presença do general Ramalho Eanes e o então Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, distinguiu Carlos Ramos, no Palácio de Belém, com as insígnias de Comendador da Ordem do Mérito.

Uma ordem honorífica portuguesa que visa distinguir atos ou serviços meritórios que revelem abnegação em favor da coletividade, praticados no exercício de quaisquer funções, públicas ou privadas, e que no caso de Carlos Ramos, é inteiramente justa e merecida, e revive a máxima de Giacomo Leopardi: “O primeiro motivo por que se está disposto a ajudar outro nas devidas ocasiões é a alta apreciação que se tem de si mesmo”.

 

 

domingo, 8 de agosto de 2021

Tony Amaral: fundador e benemérito da comunidade portuguesa de Palm Coast

 

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

No seio da numerosa comunidade lusa nos EUA, segundo dados dos últimos censos americanos residem no território mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, destacam-se vários percursos de vida de compatriotas que alcançaram o sonho americano ("the American dream”).

Entre as várias trajetórias de portugueses que começaram do nada na América e ascenderam na escala social graças à capacidade de trabalho e de mérito, destaca-se o percurso inspirador e de sucesso de Tony Amaral, benemérito e fundador da comunidade portuguesa de Palm Coast.

Natural do concelho de Ovar, distrito de Aveiro, António Amaral emigrou para a América em 1964, com 13 anos de idade, na companhia da mãe e dos quatro irmãos, ao encontro da figura paterna que emigrara três anos antes em demanda de melhores condições de vida para uma família de lavradores marcada pelo espectro de grandes carências, na esteira da larga maioria da população que durante a ditadura portuguesa vivia na pobreza, quando não na miséria.

A chegada a Nova Jérsia, para onde o pai emigrara no alvorecer dos anos 60, e onde o jovem ovarense haveria de conhecer a esposa Maria, também emigrante, natural de Viseu, e com quem se casou aos 18 amos, marca o início de um percurso de vida de um verdadeiro “self-made man”, que começou por ajudar o pai na mercearia no nordeste dos EUA.

A capacidade empreendedora, impelida no limiar da década de 1980 pelos sobressaltos que viveu nessa época aquando de uma série de assaltos à sua loja, num período em que já era pai, levaram António Amaral, mais conhecido como Tony, em 1983 para Palm Coast, cidade localizada no estado da Flórida, no condado de Flagler, onde na altura já tinha um terreno.

Dotado de rasgo e visão, um ano depois Tony Amaral abriu em Palm Coast uma construtora, e começou a dedicar-se à compra e venda de terrenos. Em particular, a emigrantes lusos radicados em Nova Jérsia e Connecticut, numa época em que Flórida se assumia como uma terra de oportunidades, e Palm Coast, onde atualmente a comunidade luso-americana ronda os cinco mil habitantes, acolhia a chegada dos primeiros portugueses através da ação empreendedora nos sectores da construção e do imobiliário da Amaral Custom Homes.

O sentido de esforço, trabalho e dedicação, permitiram ao fundador da comunidade portuguesa de Palm Coast, construir nas últimas décadas um império empresarial com bases sólidas nas áreas da construção civil e imobiliário, que foi capaz de obter dividendos do crescimento populacional da Flórida, um dos maiores entre os estados americanos, e simultaneamente resistir à crise do subprime que acometeu os EUA na primeira década do séc. XXI.

Radicado há mais de cinquenta anos nos EUA, o sucesso que o empresário alcançou ao longo dos últimos anos no mundo dos negócios, tem sido acompanhado de uma singular dimensão benemérita em prol da comunidade luso-americana. O espírito solidário de Tony Amaral, fundamental para a construção do Portuguese American Cultural Center of Palm Coast, foi paradigmaticamente consubstanciado em 2006, quando o empresário ovarense constituiu a Fundação Amaral, que além de atribuir bolsas de estudo a jovens de origem portuguesa, possuiu igualmente uma vertente humanitária, expressa durante este período de pandemia no fornecimento a agregados carenciados de alimentos e produtos de higiene.

Os relevantes serviços de cidadania e o reiterado orgulho nas raízes portuguesas, sentimento pátrio que incitou Tony Amaral em 2017, no decurso dos incêndios de Pedrógão Grande, a dinamizar um movimento que arrecadou milhares de dólares para ajudar as vítimas, concorreram para que recentemente, no dia 25 de julho, Dia do Município de Ovar, a autarquia do distrito de Aveiro entregasse ao seu filho ilustre a Medalha Municipal Prata.

Uma das figuras mais proeminentes da comunidade luso-americana, o exemplo de vida de Tony Amaral, inspira-nos a máxima do escritor Franz Kafka: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”.