Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

sábado, 27 de março de 2021

Patoá, um idioma de origem portuguesa em vias de extinção

 

A presença pioneira dos portugueses na Ásia no séc. XVI e XVII, catalisadora dos primeiros contactos entre a Europa e o Oriente, difundiu durante a epopeia dos descobrimentos a língua de Camões por diversas regiões do continente asiático.

Através da dominação política, do comércio ou da missionação, a influência lusa no maior dos continentes terrestres, ao longo da expansão marítima, estendeu-se ao subcontinente indiano, a Ceilão, às áreas em torno da Baía de Bengala, ao Golfo Pérsico, a Sião, a Timor, às Molucas, à China e ao Japão.

Como salienta o investigador Hugo Cardoso, em O português em contacto na Ásia e no Pacífico, a língua lusa enraizou-se a partir de então “na região asiática ao ponto de se converter em importante língua franca de comércio e diplomacia, sobretudo para comunicação com e entre as demais potências europeias (britânicos, franceses, neerlandeses, dinamarqueses) que se começaram a estabelecer na Ásia a partir de finais do século XVI”.

Uma das regiões asiáticas que ainda hoje conserva importantes vestígios da presença lusa, em particular no campo linguístico, é indubitavelmente Macau, um território sob administração portuguesa até 1999, situado na costa sul da China, nação que reassumiu a soberania sobre a região em 20 de dezembro desse ano.

Durante a vetusta administração lusa em Macau desenvolveu-se inclusivamente um crioulo de base portuguesa, normalmente denominado como patoá, mas também conhecido como língu nhonha, papiâ cristâm di Macau, papiaçâm, maquista, ou macaísta, que mistura português, cantonês, malaio, cingalês, mas também tem influências do inglês, tailandês, japonês e algumas línguas da Índia.

Como aponta Alexandra Hagedorn Rangel, na dissertação de mestrado Filhos da terra: a comunidade macaense, ontem e hoje, devido “ao desenvolvimento da escolarização feita em português durante o século XX, o patuá acabou por cair em desuso e, hoje em dia, apenas as pessoas de muita idade é que ainda falam o patuá com fluência”.

De fato, atualmente o crioulo de Macau é um idioma de origem portuguesa em vias de extinção, a quem restam apenas meia centena de falantes, sendo que um dos mais conhecidos, Aida de Jesus, ou Dona Aida, fundadora do restaurante Riquexó, conhecida como a "madrinha da cozinha macaense", faleceu no decurso do mês de março aos 105 anos.

Na esteira do linguista Ataliba Teixeira de Castilho, as “línguas não são eternas. Pelo contrário, elas morrem enquanto outras nascem e se multiplicam”, sendo que no caso específico do Patoá, património imaterial da presença portuguesa em Macau, a sua reminiscência deve continuar a servir de base ao fortalecimento das seculares relações luso-chinesas.

sábado, 20 de março de 2021

O Festival das Migrações, Culturas e Cidadania em tempos de pandemia

 

No início de março realizou-se uma vez mais, no Grão Ducado do Luxemburgo, um país da Europa Setentrional circundado pela Bélgica a oeste, a França a sul e a Alemanha a leste, uma nova edição do Festival das Migrações, Culturas e Cidadania, um dos maiores eventos das comunidades estrangeiras a residir neste território.

Como é o caso da comunidade lusa, tanto que em 2015, havia mais de 90.000 portugueses no território, representando 17% da população do Luxemburgo, sendo que inclusive a língua de Camões é mesmo uma das cinco línguas mais faladas no país depois do francês, luxemburguês e alemão.

Este ano, a 38.ª edição da iniciativa organizada pelo Comité de Ligação das Associações de Estrangeiros (CLAE), que constitui um ponto de encontro anual dos estrangeiros no Luxemburgo, devido ao cenário de pandemia que o mundo atravessa decorreu em formato on-line


O historiador Daniel Bastos (dir), cujo percurso tem sido alicerçado no seio das Comunidades Portuguesas, apresentou no 33.º Festival das Migrações, das Culturas e da Cidadania, na companhia do ativista cultural Joaquim Pinto da Silva (esq.), o livro Gérald Bloncourt – O olhar de compromisso com os filhos dos Grandes Descobridores”

 

Ao contrário dos anos anteriores, cujo modelo organizativo assentava na realização do festival na LuxExpo no Kirchberg, e paralelemente na dinamização de uma Feira do Livro e num encontro de culturas e artes contemporâneas, ArtsManif, eventos que contavam a presença de escritores e artistas dos quatro cantos do mundo, inclusivamente do espaço lusófono. A 38.ª edição decorreu em torno de quatro mesas redondas dedicadas à habitação, integração, impacto psicológico da pandemia e sobre o mundo associativo no Luxemburgo, e atraiu cerca de 2.500 pessoas que se ligaram para acompanhar um ou mais dos eventos programados e transmitidos ao vivo na página do CLAE.

Num ano complexo e desafiante para o mundo o Festival das Migrações, Culturas e Cidadania reinventou-se mas mantendo a sua essência na valorização e partilha das culturas, ou na linha de pensamento de Jorge de La Barre, sociólogo que se tem interessado pela etnomusicologia, persiste em “dar a voz ao Outro, respeitar as diferenças, as maneiras de ser e de dizer”.

De fato, numa época em que a tentação de construção de muros a separar povos e culturas é grande, onde os populismos ganham terreno à custa das consequências económicas, da crise de refugiados e de intolerâncias religiosas, o Festival das Migrações, Culturas e Cidadania remanesce como uma pedrada no charco que agita as águas, reafirmando a premência da construção de uma cidadania europeia e mundial ativa, assente no primado universal da diversidade cultural e dos valores dos direitos humanos.

 

sábado, 13 de março de 2021

A oposição ao Estado Novo nas comunidades portuguesas da América do Norte

 

Entre 1933 e 1974 vigorou em Portugal um regime autoritário e conservador, designado de Estado Novo, sustentado na força repressiva da polícia política (PIDE), nas amarras da censura e na ausência de liberdade. Um regime idealizado pelo seu principal mentor, Oliveira Salazar, ditador de um país eminentemente rural, pobre, atrasado e analfabeto.

Apesar da repressão e violência foram vários os que se opuseram às ideias do Estado Novo, e instaram na luta politica de oposição ao regime em defesa dos ideais da liberdade e da democracia. O movimento político de oposição à ditadura portuguesa estendeu-se também às comunidades portuguesas no estrangeiro, que na segunda metade do século XX foram robustecidas por centenas de milhares de compatriotas em fuga à miséria rural, à carestia de vida, e no início dos anos 60, à Guerra Colonial.

No contexto da luta contra o Estado Novo no seio das comunidades portuguesas, como aponta a investigadora Susana Maria Santos Martins, na tese de doutoramento Exilados portugueses em Argel. A FPLN das origens à rutura com Humberto Delgado (1960-1965), intervieram nas décadas de 1960-70 várias associações oposicionistas ao regime de Salazar na América do Norte.

Em Newark, Nova Jérsia, cidade que ainda hoje alberga uma das maiores comunidades portuguesas nos Estados Unidos da América (EUA), constituiu-se em 1960 o Committee Pro-Democracy in Portugal, a primeira associação de democratas lusos nos EUA. A coletividade, que teve como principal mentor Abílio de Oliveira Águas, antigo cônsul português em Providence (Rhode Island) no ocaso dos anos 20, e figura tutelar na comunidade luso-americana, congregou diversos emigrantes e exilados políticos na oposição ao regime salazarista.

A associação luso-americana, que teve um papel decisivo no depoimento em 1963 de Henrique Galvão contra Portugal na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, manteve-se ativa até aos anos 70, período em que faziam parte dos seus órgãos, Eduardo Covas, António José de Almeida, António Dias, Virgílio Varela e Abílio Águas. Tendo prosseguido até então uma diligente ligação com vários grupos oposicionistas, como o grupo Portugal Democrático, no Brasil, com a Frente Portuguesa de Libertação Nacional (FPLN), na Argélia, com a Acção Democrato-Social (ADS), em Portugal, com a Associação Socialista Portuguesa (ASP), em Genebra, e mais tarde, com o Partido Socialista (PS) que apoiou após a Revolução de Abril.

No Canadá, nação para onde emigraram entre 1953 e 1973 mais de 90.000 portugueses, na sua maioria originários dos Açores, uma das principais coletividades lusas oposicionistas foi criada no final dos anos 50 em Toronto. Denominada Portuguese Canadian Democratic Association (PCDA), a associação luso-canadiana, impulsionada por figuras como Fernando Círiaco da Cunha, aglutinou vários emigrantes e exilados políticos na denúncia do regime ditatorial português, através da dinamização de manifestações públicas e da publicação em 1964 do periódico A Verdade, e mais tarde, O Boletim.


Manifestação de emigrantes e exiliados lusos em Toronto, no Canadá, a exigirem a libertação de presos políticos em Portugal (1966) - Photo by Reed, York University Libraries, Clara Thomas Archives & Special Collections, Toronto Telegram fonds, F0433, ASC08256.

 

 

Ainda no Canadá, mas em Montreal, a partir dos anos 60, foi criado o Movimento Democrático Português de Montreal, ao qual estavam ligados figuras como Rui Cunha Viana, Domingos da Costa Gomes, José das Neves Rodrigues, Jaime Monteiro e Eugénio Vargas. E que teve nas páginas do boletim Movimento, o seu principal instrumento de denúncia junto da comunidade luso-canadiana da ditadura salazarista e da Guerra Colonial na maior cidade da província do Quebeque.

Em Montreal, na esteira das demais comunidades portuguesas na América do Norte, as páginas da imprensa comunitária foram o instrumento privilegiado dos grupos oposicionistas de crítica à ausência de liberdade na pátria de origem e de denúncia da Guerra Colonial. Entre as décadas de 1960-70, o semanário independente em língua portuguesa, Luso-Canadiano, fundado por Henrique Tavares Bello, e que contou com a colaboração de Cunha Viana e Domingos da Costa Gomes, adotou assumidamente uma feição oposicionista ao regime instituído em Portugal. Neste mesmo período, a ação oposicionista de Henrique Tavares Bello em Montreal encontrava-se ainda, em interligação com Firmino Rita, associada à dinamização do Canada Movement for Freedom in Portugal and Colonies.

No seu conjunto, as várias dinâmicas oposicionistas ao Estado Novo na América do Norte no decurso das décadas de 1960-70, tiveram um papel importante na consciencialização política das comunidades portuguesas nos Estados Unidos e no Canadá, assim como na denúncia internacional do regime ditatorial e da Guerra Colonial em dois dos mais importantes palcos da política e diplomacia mundial.