Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Luís Pedroso: um exemplo de empreendedorismo e filantropia na comunidade luso-americana

 

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, destaca-se hoje pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados na Califórnia, Massachusetts, Rhode Island e Nova Jérsia. A grande maioria da população luso-americana trabalha por conta de outrem, na indústria, mas são já muitos os que trabalham nos serviços ou se destacam na área científica, no ensino, nas artes, nas profissões liberais e nas atividades politicas.

No seio da numerosa comunidade lusa na América, onde proliferam centenas de associações recreativas e culturais, clubes desportivos e sociais, fundações para a educação, bibliotecas, grupos de teatro, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, casas regionais e sociedades de beneficência e religiosas, destacam-se percursos de vida de vários compatriotas que alcançaram o sonho americano ("the American dream”).

Entre as várias trajetórias de portugueses que começaram do nada nos EUA e ascenderam na escala social graças ao trabalho, ao mérito e ao empenho, destaca-se o exemplo inspirador de empreendedorismo e filantropia de Luís Pedroso. Natural da Ribeira da Areia, na ilha de São Jorge, nos Açores, Luís Pedroso emigrou para Massachusetts, estado norte-americano localizado na região da Nova Inglaterra, no final dos anos 60, ainda criança, acompanhado da mãe e três irmãos, após curtas passagens no decurso dessa década por África, designadamente Angola, pelo vale de São Joaquim, na Califórnia, e pela ilha da Terceira onde assistiu ao falecimento precoce do pai.

A chegada a Massachusetts, mormente à cidade de Lowell, onde a mãe e a irmã mais velha começaram a trabalhar numa fábrica de sapatos para sustentar a família, permitiu a Luís Pedroso completar os estudos e iniciar, depois de uma experiência laboral passageira num banco, calcorrear um percurso fulgurante na indústria eletrónica. O trabalho, o esforço e a resiliência, valores coligidos na figura materna, acabariam por impelir o luso-americano com raízes açorianas, a fundar em 1984, com 24 anos, a Qualitronics, uma empresa que desenhava, testava, construía e vendia serviços de reparação de componentes eletrónicos, que chegou a ter um volume de vendas anual de 25 milhões de dólares, quase duas centenas de funcionários, e que vendeu em 2000.

Quatro anos depois, a disposição para o trabalho e o espírito empreendedor levou-o a fundar com os irmãos a Accutronics, uma empresa na mesma área, com cerca de uma centena de funcionários, de que atualmente é presidente. O sucesso que Luís Pedroso alcançou ao longo das últimas décadas no mundo dos negócios, tem sido constantemente acompanhado de um generoso apoio a projetos da comunidade luso-americana.

Como é o caso da doação de 850 mil dólares (660 mil euros) que destinou à fundação do Centro Pedroso-Saab para Estudos Portugueses e Culturais na Universidade de Massachusetts em 2013, em homenagem aos pais, ou da generosa doação que auxiliou a construção do edifício da Massachusetts Alliance of Portuguese Speakers (MAPS), inaugurado no ano passado em Lowell.

Uma das figuras mais ativas da comunidade luso-americana, Luís Pedroso, que integra ainda a gestão do Enterprise Bank, do Lowell General Hospital e da Theodore Edson Parker Foundation, e que no final do ano de 2014 foi distinguido com o primeiro prémio "American Dream" do International Institute of New England, inspira-nos a máxima do filósofo Henri-Frédéric Amiel: “O nosso dever é ser útil não de acordo com os nossos desejos, mas de acordo com as nossas forças”.

domingo, 23 de janeiro de 2022

A herança portuguesa em Malaca

 

A presença pioneira dos portugueses na Ásia no séc. XVI e XVII, catalisadora dos primeiros contactos entre a Europa e o Oriente, apresenta ainda nos dias de hoje marcas vivas dessa Era dos Descobrimentos.

É o caso de Malaca, uma cidade e porto da Malásia, uma nação situada no sudeste asiático, que preserva desde a centúria quinhentista, época em que por ação de Afonso de Albuquerque, vice-rei da Índia nomeado por D. Manuel, o então sultanato se tornou numa base estratégica para a expansão portuguesa nas Índias Orientais, um singular legado luso.

Simultaneamente, Malaca tornou-se no mesmo período histórico, por ação de São Francisco Xavier, jesuíta e apóstolo do Oriente, um importante centro da atividade missionária, contexto que se alteraria a partir de 1641, ano em que a antiga possessão portuguesa caiu nas mãos dos holandeses.

A história de Malaca, onde ainda hoje vivem cerca de mil a dois mil descendentes de portugueses em mais de uma centena de casas, no chamado bairro português, concorreu para que a cidade malaia tenha sido, em 2008, classificada como património mundial da UNESCO. Distinção, que levou nesse ano o então Presidente do Centro Nacional de Cultura, Guilherme d’Oliveira Martins, a asseverar que Malaca merecia ser classificada como património mundial da UNESCO por três razões: “pelo valor memorialístico, pela monumentalidade (em especial o que resta do forte português e a célebre porta que mantém a designação de “A Famosa”) e pela ligação entre o património histórico e o diálogo intercultural com a língua portuguesa (o papiar cristan)”.

A herança portuguesa em Malaca é desde o início da década de 2010 singularmente preservada e difundida pelo Portuguese Settlement Heritage Museum (Museu da Herança do Povoado Português). Um espaço museológico, situado no bairro português, que graças a lusodescendentes como Christopher De Mello e Jerry Alcântara, conta com um espólio de largas centenas de peças, objetos e coleções pessoais, como fotografias, carpetes, quadros, pratos e uma réplica da nau "Flor de la Mar" (Flor do Mar), que naufragou em 1511 no estreito de Malaca, com um imenso tesouro, que nunca foi encontrado.

Como evoca António de Abreu Freire, investigador do CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em Portugueses pelo Oriente, são “muitos os testemunhos da presença portuguesa pelo Oriente, que aparece hoje aos olhos dos estudiosos como um projeto desmedido de um povo pequeno e distante. Movido por uma utopia arrasadora, o povo português ultrapassou imprevistos e obstáculos que a natureza e os adversários armavam. Feita de coragem e de utopia, de conhecimento e de ambição, a expansão portuguesa pelo Oriente foi uma das maiores proezas civilizacionais da humanidade”.

 

sábado, 15 de janeiro de 2022

O Museu de Herança Madeirense nos Estados Unidos da América

 

A comunidade lusa nos Estados Unidos da América (EUA), cuja presença no território se adensou entre o primeiro quartel do séc. XIX e o último quartel do séc. XX, período em que se estima que tenham emigrado cerca de meio milhão de portugueses essencialmente oriundos dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, destaca-se atualmente pela sua perfeita integração, inegável empreendedorismo e relevante papel económico e sociopolítico na principal potência mundial.

Atualmente, segundo dados dos últimos censos americanos, residem nos EUA mais de um milhão de portugueses e luso-americanos, principalmente concentrados em Massachusetts, Rhode Island, Nova Jérsia e Califórnia.

No caso da comunidade madeirense, que representa entre 3 a 5% do total de portugueses residentes nos Estados Unidos, a mesma tem ainda hoje uma presença significativa, por exemplo, em New Bedford. Uma cidade costeira localizada no estado de Massachusetts, onde desde 1915 se realizam as Festas do Santíssimo Sacramento Madeirense, que se assumem anualmente como uma das maiores festas portuguesas nos EUA e umas das maiores celebrações lusas fora do território nacional, e que com a exceção dos dois últimos anos, devido aos constrangimentos pandémicos, juntam milhares de pessoas.

As festividades, interrompidas nos tempos mais recentes pela pandemia de coronavírus, decorrem há vários anos no Campo Madeira, um recinto onde durante vários dias é possível assistir a concertos de música, espetáculos, parada, dança e corridas, assim como degustar a gastronomia madeirense ou conhecer uma réplica de uma casa típica de Santana.

As comemorações estendem-se ainda ao “Museum of Madeirian Heritage” (Museu de Herança Madeirense), um espaço museológico, situado também na cidade de New Bedford, que foi fundado pelo saudoso José de Sousa e oficialmente inaugurado em 1998, pelo antigo presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim.

Propriedade da Fundação do Santíssimo Sacramento, o Museu de Herança Madeirense, que acolhe vários documentos recolhidos entre os emigrantes naturais do arquipélago, assim como uma vasta coleção de fotografias e objetos alusivos à pérola do Atlântico, tem como missão preservar e valorizar o legado histórico da emigração madeirense nos Estados Unidos da América.

Enquanto espaço singular que homenageia e perpetua a herança madeirense nos EUA, o Museu de Herança Madeirense, constitui-se como um exemplo inspirador para as comunidades portuguesas no mundo, principalmente naquilo que deve ser o respeito pelo seu passado, a construção do seu presente e a projeção do seu futuro.

 

 

domingo, 9 de janeiro de 2022

Fafe – uma construção contemporânea dos “brasileiros de torna-viagem”

 

 

Na senda das vagas contemporâneas de emigrantes portugueses para vários países do mundo, evidencia-se o ciclo transatlântico que se prolongou de meados do século XIX até ao primeiro quartel do século XX, e que teve como principal destino o Brasil.

Pressionados pela carestia de vida e baixos salários agrícolas, mais de um milhão de portugueses entre 1855 e 1914 atravessaram o oceano Atlântico, essencialmente seduzidos pelo crescimento económico da antiga colónia portuguesa. Procedente do mundo rural e eminentemente masculino, o fluxo migratório foi particularmente incisivo no Minho, um dos principais torrões de origem da emigração portuguesa para o Brasil.

Enobrecidos pelo trabalho, maioritariamente centrado na atividade comercial, e após uma vintena de anos geradores de um processo de interação social que os colocou em contacto com novas realidades, hábitos, costumes e posses, o regresso de “brasileiros de torna-viagem” a Portugal, trouxe consigo um espírito burguês empreendedor e filantrópico marcado pela fortuna, pelo gosto de viajar, e pelo fascínio cosmopolita da cultura e língua francesa.

Ainda que sintomática das debilidades estruturais do país, a emigração portuguesa para o Brasil entre o séc. XIX e XX, facultou através do retorno dos “brasileiros de torna-viagem”, os meios e recursos necessários para a transformação contemporânea do território nacional, com particular incidência no Norte de Portugal.

Como é o caso paradigmático de Fafe, uma cidade situada no distrito de Braga, no coração do Minho, cujo desenvolvimento contemporâneo teve um forte cunho de emigrantes locais enriquecidos no Brasil na transição do séc. XIX para o séc. XX. O retorno dos “brasileiros de torna-viagem” a Fafe alavancou, desde logo, nas décadas de 1870-80, a criação da Fábrica têxtil do Bugio, e da Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe (Fábrica do Ferro), símbolos incontornáveis da indústria têxtil no Vale do Ave.

Paralelamente à dinâmica empreendedora, as iniciativas de natureza filantrópica dos emigrantes “brasileiros” de Fafe, abarcaram ainda no último quartel do séc. XIX, o lançamento da Igreja Nova de São José, a edificação do Asilo da Infância Desvalida, a construção do Jardim Público, símbolo do romantismo, o surgimento da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, a instituição da Santa Casa da Misericórdia de Fafe, e já no alvorecer do séc. XX, o Asilo de Inválidos de Santo António.

As marcas da benemerência brasileira local estão ainda consubstanciadas na construção do Hospital de São José, administrado pela Santa Casa da Misericórdia de Fafe, e que foi alavancado por um conjunto de influentes fafenses no Rio de Janeiro, que angariaram os fundos necessários para a edificação da unidade de saúde, com a incumbência do mesmo seguir a planta arquitetónica do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro.

Estas marcas identitárias do ciclo do retorno dos "brasileiros de torna-viagem", singularmente presentes na arquitetura e urbanismo da cidade de Fafe, onde ainda hoje se destacam casas apalaçadas de grandes dimensões, aformoseadas com azulejos multicolores, varandas estreitas com guardas de ferro forjado ou fundido, diversos beirais de faiança pintados e claraboias, impulsionaram a edilidade a instituir no início do séc. XXI o Museu das Migrações e das Comunidades.

Percursor no seu género em Portugal, o espaço museológico, que tem o reconhecimento da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e integra a AEMI (Association of European Migration Institutions), assenta a sua missão no estudo, preservação e comunicação das expressões materiais e simbólicas da emigração portuguesa. Detendo-se particularmente na emigração para o Brasil do século XIX e primeiras décadas do XX, que em Fafe, na esteira da opinião de Eça de Queiroz sobre a emigração, constituiu uma “força civilizadora”.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Uma vida luso-francesa

 

Os últimos anos têm sido pródigos na conceção e realização de obras de autoras nacionais ou lusodescendentes residentes no estrangeiro dedicadas às mundividências femininas no contexto migratório, umas das dimensões da emigração portuguesa que por via destes contributos literários começa a ser mais conhecida e estudada.

Um desses contributos literários, intitulado Uma vida luso-francesa, deu à estampa no final do ano passado e tem o cunho de Margarida Poças Serrano, educadora especial que trabalhou em França com refugiados e jovens com deficiência.

Natural de Reguengo do Fetal, Batalha, Margarida Poças Serrano emigrou para França, nomeadamente para Saint-Maur des Fossés, uma comuna a sudeste de Paris, em 1966, ainda criança, na companhia da mãe e de outras duas irmãs, ao encontro do pai e da irmã mais velha que tinham partido para o território gaulês três anos antes.

Formada em educação especial, uma educação organizada para atender específica e exclusivamente alunos com determinadas necessidades especiais, já depois de casada e do nascimento dos três filhos, a autora batalhense assina nesta obra, que tem a chancela da Chiado Books, um romance social inspirado livre­mente na trajetória de filha de emigrantes que partiram nos anos 60 em demanda de melhores condições de vida, na esteira da larga maioria da população que durante a ditadura portuguesa vivia na pobreza.

O livro aborda também, e sobretudo, a luta de uma menina para escapar ao destino que o seu pai lhe tinha traçado, mormente de mulher submissa ao chefe de família, e aos homens em geral. Rompendo assim com o ideal feminino preconizado na ditadura de Salazar, que advogava que a mulher existia para ser mãe, esposa e dona-de-casa, e desde cedo era educada para ser submissa ao poder patriarcal do pai, do irmão e, mais tarde, do marido.

A obra é igualmente é um testemunho pessoal da importância dos livros enquanto instrumento insubstituíveis para a formação, como foi o caso paradigmático de Margarida Poças Serrano, cuja trajetória e trabalho literário relembra a máxima de Gabriel García Márquez: “A vida de uma pessoa não é o que lhe acontece, mas aquilo que recorda e a maneira como o recorda”.